sexta-feira, 29 de julho de 2016

Hockenheimring, o mutilado

O Hockenheimring original, que ia de Hockenheim até Oftersheim, ao norte

Neste fim-de-semana a Fórmula 1 retornará para Hockenheim depois de um ano sabático para a categoria na Alemanha. Apesar de tudo que já viveu, o autódromo da pequena cidade alemã continua sendo um dos principais do mundo, algo inimaginável décadas atrás, quando tudo isso ainda era apenas um sonho. O Hockenheimring tem um longo histórico de mutilações, e é um dos poucos circuitos no mundo que resistiu a todas elas e continua no cenário mundial com certo destaque, mesmo com um traçado que pouco agrada.

Tantas histórias fantásticas. Tantos momentos memoráveis. Tudo surgido de um sonho. Um sonho de Ernst Christ, morador da pequena Hockenheim que sonhava em construir uma pista em sua cidade natal. Após receber o apoio de Philipp Klien, prefeito da cidade, e a aprovação por unanimidade do conselho municipal, as obras começaram no dia 23 de março de 1932. Dois meses depois, o circuito era inaugurado com uma corrida de motocicletas e 60 mil pagantes.


O primeiro layout de Hockenheimring tinha cerca de 12Km de extensão, formando um triangulo que ia de Hockenheim até Oftersheim. Tendo apenas seis curvas, o circuito era anti-horário e com os boxes a cerca da região do atual Stadion. Enquanto as provas de motociclismo se popularizavam na região, Mercedes-Benz e Auto Union fizeram da pista um local de testes intensos para provas de alta-velocidade, como o GP de Trípoli.

Seis anos após sua inauguração, a primeira mutilação ocorre: surge o Kurpfalzring, um oval com quatro curvas. Apesar do novo nome, o circuito perdeu "apenas" suas duas mais longas retas, que iam até Oftersheim, mas ganhou a famosa Radbuckelkurve, que mais tarde receberia o nome de Ostkurve, ou Curva Leste.

Provas de turismo e motociclismo seriam realizadas até o início da II Guerra Mundial, que selou o fim de Kurpfalzring. Em 1941, uma última corrida, de bicicletas, foi realizada no circuito com seu velho nome...

Hans Stuck no velho Hockenheimring

Logo após a Grande Guerra, as reformas começaram a todo vapor, sendo o rebatizado Hockenheimring o primeiro circuito a receber corridas em toda Alemanha. Mais de 200 mil pessoas acompanharam uma corrida que tinha Karl Kling, Toni Ulmen e até Alexander von Falkenhausen no grid. A década de 50 foi marcada pelos trancos e barrancos e pela estreia oficial como GP da Alemanha de motociclismo.

Em 1965, a Autobahn A 6 separou a cidade da pista, obrigando Ernst Christ a projetar um novo traçado. Assim surgiu o Motodrom, que tornou Hockenheimring ainda mais moderno e famoso. A parte ocidental do circuito foi totalmente modificada, passando ele a ser corrido no sentido horário e com uma nova sequência de curvas nomeada de Stadionartiger, ou melhor, o Stadion perto da novíssima Sudkurve e dos novos boxes.

Mais de 30 anos após sua inauguração, e o Hockenheimring já havia passado de uma extensão de 12km para meros 6Km. Mesmo assim, o anel de Hockenheim continuava sendo um dos melhores lugares do mundo para se correr. Cortando a Floresta Negra, ela era agora ainda mais moderna, extinguindo a região que passava pela cidade.

Construção do Motodrom

Foi nessa época que a primeira tragédia abalou a pequena cidade, ou melhor, o mundo: Jim Clark havia sofrido um acidente mortal. O escocês voador acabou por perder a vida no Hockenheimring, que apenas dois anos depois receberia sua primeira corrida de Fórmula 1. Para melhorar a segurança, duas chicanes foram construídas na parte alta do circuito, antes e depois da Ostkurve.

Com o Nürburgring em reformas, a Fórmula 1 optou por correr em Hockenheim em 1970. Lá, Jochen Rindt e Jacky Ickx travaram uma dura batalha pela vitória, que acabaria ficando com o austríaco futuramente morto em Monza. Numa corrida repleta de emoções e alternativas, Emerson Fittipaldi conquistou seus primeiros pontos com um quarto lugar.

Apesar da emocionante prova, Hockenheim só voltaria a receber a Fórmula 1 sete anos depois, quando o Nürburgring se tornou inviável para realização de um grande prêmio. O ring daquela pequena cidade, que havia surgido do um sonho de um jovem assistente de cronometrista, estava no mais alto patamar do mundo do esporte a motor, com corridas de Fórmula 1, turismo, MotoGP (ainda sem este nome), sportscar, rally e até drag,

No primeiro GP de F1 em Hockenheim, Rindt e Ickx travaram uma dura batalha pela vitória

Depois de Lauda vencer facilmente em 1977, Mario Andretti em 1978 e Alan Jones em 1979, uma nova tragédia voltou a acontecer em Hockenheim. Um jovem austríaco talentosíssimo, de nome Markus Höttinger, morreu numa prova de F2, e, semanas depois, foi a vez do veloz francês Patrick Depailler morrer num teste com sua Alfa Romeo.

Um nova chicane antes da Ostkurve foi construída após a morte de Depailler, que causou comoção no pódio do GP da Alemanha daquele ano de 1980. O vencedor Jacques Laffite chegou a chorar enquanto estava no lugar mais alto.

Após Nelson Piquet vencer em 1981, outro acidente voltou a assombrar o Hockenheimring: Didier Pironi quebrou ambas as pernas após levantar voo no meio da Floresta Negra. Mesmo após outro francês quase perder a vida, nenhuma mudança seria efetuada até 1992, quando uma nova chicane surgiu na Ostkurve, dizimando de vez a mais famosa curva do circuito.

Até 1992, Patrick Tambay (1982), René Arnoux (1983), Nelson Piquet (1986 e 1987), Alain Prost (1984), Ayrton Senna (1988, 1989 e 1990) e Nigel Mansell (1991) venceriam lá. Depois de outra vitória do Leão em 1992, o Professor conquistaria sua 51º e última vitória em 1993 no Hockenheimring.

Ayrton Senna venceu três vezes na Floresta Negra

Gerhard Berger venceria em 1994 e 1997, sendo ela sua última vitória e da equipe Benetton. Michael Schumacher finalmente se tornaria o primeiro alemão a vencer o GP da Alemanha de Fórmula 1 em 1995. Damon Hill levou a vitória em 1996, Mika Häkkinen em 1998 e Eddie Irvine em 1999. No ano seguinte, em 2000, Rubens Barrichello teve uma performance de campeão para conquistar sua primeira vitória na categoria.

Em 2001, Ralf Schumacher se tornaria o último piloto a vencer no velho Hockenheimring em prova marcada pelo voo de Luciano Burti. Antes mesmo da vitória de Barrichello e de Ralf, a FIA ameaçou tirar Hockenheim do calendário, obrigando os organizadores a fazerem uma enorme reforma no autódromo. Com isso, um circuito que um dia já havia sido de 12Km, e que era naquele momento de meros 6Km, passou a ser de apenas 4,574Km.

Para piorar, o setor que rasgava a Floresta Negra foi retirada do novo traçado, causando críticas que se estendem até hoje. No fim, foi como perder parte da essência do Hockenheimring, a última coisa que restava como característica daquele circuito original de 80 anos atrás. O novo traçado não agradou, e Hockenheim tem que resistir às críticas em todo santo fim-de-semana em que o circo da Fórmula 1 passa por lá.

E a vegetação volta a tomar o que um dia foi dela...

Desde de 2002, Michael Schumacher, Juan Pablo Montoya, Fernando Alonso, Lewis Hamilton e Nico Rosberg já venceram no circuito, que reveza com Nürburgring como sede do GP da Alemanha. Quem nunca venceu lá foi Sebastian Vettel, que neste fim-de-semana voltará a batalhar por um lugar no hall de vencedores de Hockenheimring.

Vendo tudo que o "anel" de Hockenheim já passou em sua história, é de se espantar que ele continua de pé, atraindo fãs mesmo após a demolição do seu layout mais famoso. Um exemplo de circuito moderno que se sacrificou para se manter no cenário mundial. Um exemplo que não deveria ser seguido, mas que tomou conta dos autódromos de todo planeta.

Perdemos parte da história, mas ainda é melhor do que perder ela toda.

Imagens tiradas do Google Imagens e circuitsofthepast.nl

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