sábado, 23 de dezembro de 2017

Circuito Memorável 5# - Nivelles-Baulers


A Fórmula 1 mal chegara aos seus vinte anos de existência como campeonato mundial e já acenava para mudanças que redirecionariam seu futuro. Os anseios por melhor segurança eram grandes desde os incidentes de Spa em 1966 e só vinham aumentando com o grande número de acidentes fatais no fim década. Vidas como a de Jim Clark não poderiam ser mais perdidas.

O GP da Bélgica de 1969 precisou ser cancelado para implantação de guard-rails em torno do circuito de Spa-Francorchamps, mesmo motivo que tirou Nürburgring do calendário em 1970. As duas mais desafiadoras pistas da categoria tinham seus dias contados. Apesar da espetácular prova no Hockenheimring, pilotos e torcedores sentiram falta do clima que até então imperava na Fórmula 1: a torcida estava mais distante do que nunca dos carros e dos pilotos - mesma reclamação que o público teria com o novo Nürburgring em 1984.

Diferentemente do Inferno Verde, as mudanças em Spa-Francorchamps não evitaram um possível fim do GP da Bélgica. A vitória de Pedro Rodríguez na edição de 1970 seria a última no antigo traçado do mais maravilhoso circuito belga. A mistica em torno de Spa, que cortava pequenas comunidades com retas longas, curvas rápidas e poucas áreas de escape, tornavam seus compatriotas um pesadelo para os amantes de corrida.

de Bruijn e Senna em Nivelles '80.

Excluidos do calendário de 1971, os belgas correram para preparar um novo autódromo do lado Valão (sul da Bélgica, de língua francesa), tal como Spa, que revezaria com Zolder, do lado Flamengo (norte da bélgica, de língua holandesa), como sede do GP. Assim, um grupo de empresários decidiu investir. Johannes Hugengoltz, que havia desenhado Zandvoort, foi chamado para o projeto.

O Complexo Europeu de Nivelles-Baulers seria apelidado como "circuito revólver" pelo seu formato. Hugengoltz ainda traçou-o com algumas semelhanças do irmão holandês, mas nada que o tornasse melhor do que ele. Diferentemente de Spa, o novo autódromo foi construído numa região plana das Ardenas, perto da cidade de Nivelles (cerca de 40Km de Bruxelas) e da vila de Baulers (logo ao lado do circuito).

O desenho original apresentava 5,6Km de extensão com dois grandes loops antecedidos por uma longa reta dos boxes e uma rápida seção de curvas que seguiam a reta oposta, mas a falta de verba somada ao erro de construir a configuração menor antes de comprar o último terreno necessário foram fatais. O autódromo seria construído com apenas 3,7Km, apresentando uma versão ainda menor para corridas de clubes e outros eventos.

Clique para ver o circuito originalmente proposto

Para 1971, Nivelles-Baulers era revolucionário, quase um tilkódromo! Enormes áreas de escape, uma paisagem pouco atrativa, curvas de baixa precedidos por seções de alta velocidade e público longe da pista, algo que todos estavam desacostumados. A pista era criticada pelos pilotos, que a taxavam de chata pela sua pequena extensão e por ser demasiadamente plana. Não haviam desafios que empolgavam. O único ponto realmente interessante era o grande loop após a primeira curva, que consistia em duas rápidas pernas para a direita antes da curva quatro.

Ao lado esquerdo da sequência estava a pista de kart, utilizada até 1980. Seguindo, a reta oposta e um rápido 'esse' que levava ao hairpin, nona e última curva de Nivelles. Com as características apresentadas, esperava-se uma boa corrida quando o circo chegasse em 1972. Era a quinta etapa do campeonato liderado por Emerson Fittipaldi.

Trinta pilotos estavam inscritos para a prova, mas cinco nomes se ausentaram, dentre eles o de Jackie Stewart, se recuperando da cirurgia de resolução de uma úlcera gástrica, e Mario Andretti. Reine Wisell estava machucado, Derek Bell e Vern Schuppan sem carro. Sendo assim, os vinte e cinco pilotos restantes aliariam para a corrida, que tinha Fittipaldi na pole com Regazzoni em segundo, Hulme em terceiro e Ickx em quarto.


Sem possibilidade de chuva, o GP da Bélgica de 1972 seria a mais nova chance de Jacky Ickx vencer em casa. O começo interessante de campeonato para a Ferrari colocava-a como favorita em Nivelles. A corrida também seria palco de estreia da equipe totalmente italiana da Tecno, que fizera inclusive seu próprio motor. Apenas a caixa de câmbio era inglesa. A empreitada dos irmãos Gianfranco e Luciano Pederzani merece ser contada no blog no futuro...

Fittipaldi largaria mal, perdendo a liderança para Regazzoni e Hulme, que metros depois cai para quarto. Perseguindo o suiço, Emerson reassume a ponta na volta nove enquanto Cevert e Amon escalam o pelotão já na zona de pontos. Ickx sofreria problemas no motor que destruiriam suas chances de vitória em casa. No giro trinta e um, é a vez do pupilo de Ken Tyrrell passar por Regazzoni, assumindo o segundo posto. Amon segue o ferrarista até este abandonar perto do fim.

Sem grandes ameaçadas, Emerson Fittipaldi vence pela segunda vez no ano, abre nove pontos de vantagem e caminha para seu primeiro título mundial. Cevert foi segundo e Denny Hulme fechou o pódio após problemas jogarem Amon para sexto. Hailwood e Pace foram quarto e quinto. No ano seguinte seria a vez de Zolder sediar o GP da Bélgica.


Felizmente, Nivelles-Baulers não ficava parado, com provas de motociclismo e de kart. Em 1973, o campeonato de kart foi realizado no circuito, com vitória de Terry Fullerton. Porém, apesar das atividades, o primeiro dono foi à falência em 1974, tornando o GP inviável até que, às pressas, fossem achados patrocinadores para realização da corrida de Fórmula 1.

Dessa vez, trinta e cinco pilotos estavam inscritos, tornando possível uma quebra de recorde: maior número de carros largando numa corrida de Fórmula 1! Porém três homens se ausentaram e Leo Kinnunen não conseguiu se qualificar. Assim, trinta e um pilotos estavam alinhados naquele domingo, incluindo o Token, equipe formada a partir de pretensões de Ron Dennis na Fórmula 2, de Tom Pryce e o Trojan de Tim Schenken.

Diferentemente de 1972, Emerson Fittipaldi venceria com dificuldades. Depois de largar em quarto, o brasileiro assumiu a segunda posição e colocou em Clay Regazzoni, líder do campeonato naquela altura, com Niki Lauda em terceiro e Jody Scheckter em quarto. Ficaria assim até a volta trinta e oito, quando o suiço cometeria um erro enquanto superava Larrousse, retardatário. Fittipaldi assume a ponta com Lauda em segundo.


Mesmo sem Regazzoni, o brasileiro precisava se preocupar com o jovem austríaco que pressionou até a linha de chegada. A diferença? Meros 35 milésimos de segundo. Para desespero da Ferrari, o combustível de Rega acabou e Jody Scheckter foi terceiro. Com a vitória, Emerson Fittipaldi assumia a liderança do campeonato com um ponto de vantagem para os ferraristas. Foi uma derrota amarga para Maranello.

No ano seguinte, o circuito foi à falência mais uma vez. O ano era um desastre. Jean-Pierre Lembourg havia morrido numa prova de motos e nada foi feito para salvar o asfalto cada vez mais deteriorado. Em 1976 o GP da Bélgica seria realizado em Nivelles-Baulers, mas a FISA impediu que isso acontecesse pelas condições do autódromo. Sem mais investimentos, o circuito caia no esquecimento.

Provas de carros continuaram acontecendo até 1980 e de motos até 1981. Nesse período, o campeonato mundial de kart seria realizado pela segunda e última vez em Nivelles. Naquela edição de 1980, um jovem garoto alemão de nome Michael Schumacher acompanharia pela primeira vez um promissor adolescente paulista, que lutaria pelo título até a última bateria: Ayrton da Silva. Depois que Fullerton enfrentou problemas, Peter de Bruijn superou Senna para conquistar a taça que faltou ao brasileiro em sua escalada à Fórmula 1.


Sem licença, Nivelles-Baulers não seria mais usado em 1981, sendo abandonado como palco de corridas ilegais aos fins de semana que só podiam ser interrompidas quando carros de policia entravam na contra-mão. A morte de um participante não interromperia de imediato as provas, mas, aos poucos, com o vandalismo e a marginalização do autódromo esquecido, tudo foi acabando.

A falta de investimento nos anos seguintes, para muitos, é culpa do governo belga que sempre preferiu Spa-Francorchamps como palco do GP da Bélgica. E vamos confessar, também preferimos Spa. De qualquer forma, Nivelles não deveria ter tido um fim tão melancólico como esse, especialmente por estar tão próximo de centros da industria automobilística como França e Alemanha.

Em 1998 iniciram-se reformas e aconstrução de uma parque industrial. Desde então, ainda é possível dar uma volta em quase um terço do circuito original, agora transformado em ruas. A pista de kart foi destruída e o asfalto da última curva está (ou estava) ocupado com toneladas de areia e pedra. Apenas em 2014, quarenta anos depois da vitória de Fittipaldi, um Grand Prix Revival foi realizado no antigo circuito.




Links interessantes do grandíssimo Circuits of the past:
Uma volta no Nivelles abandonado (1998);
Nivelles - antes e depois (1998-2015);
IMAGENS de Nivelles-Baulers.

Imagens tiradas do Google Imagens.

quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

OPINIÃO: 2017


Sou péssimo em resumos curtos. Mas dessa vez é necessário. Não posso deixar passar essa chance de falar, seja pouco ou muito, sobre a temporada de 2017.

As expectativas eram altas e, pelo menos para mim, foram superadas de forma louvável, com direito à polêmica entre os postulantes ao título e reviravoltas que tornavam o campeonato mais ou menos excitante a cada mês.

É verdade que terminou de maneira brochante, com Hamilton conquistando o tetracampeonato no México em meio à crise na Ferrari. O fato só fez aumentar mais as semelhanças entre 2017 e 1985, quando a escuderia italiana passou por situação semelhante com Michele Alboreto, que na época lutava contra Alain Prost pelo título. Mas, diferentemente de 1985, o cavalinho rampante foi uma grandíssima surpresa. (Logo comento a outra semelhança.)

O esperado era que Red Bull e Mercedes lutassem em 2017, com Ferrari cada vez mais afogada no segundo semestre de 2016. Mas o que vimos foi bom, com Maranello se livrando dos problemas e mostrando ao mundo que era possível vencer as Flechas de Prata, conquistando inclusive uma dobradinha em Mônaco.


A segunda semelhança é entre a campanha de Lotus e Red Bull. Guardadas as devidas proporções. Ayrton Senna e Max Verstappen enfrentaram graves problemas na primeira metade do campeonato, mas no segundo semestre conseguiram virar a mesa sobre seus companheiros Elio de Angelis e Daniel Ricciardo, que passaram a sofrer sem nenhum resultado consistente, o que é característica de ambos. No fim, tanto Red Bull quanto Lotus foram superados por rivais considerados imprevísveis: Ferrari e Williams, respectivamente.

Em relação aos pilotos, gostaria de ressaltar o ótimo trabalho de Lewis Hamilton e o fraquíssimo desempenho do, até agora, superestimado Valtteri Bottas. Para os finlandeses, é preocupante. Kimi Räikkönen voltou a apresentar uma clara desmotivação, sobretudo após críticas de um arrogante Sergio Marchionne. Com a chegada de Charles Leclerc, tudo indica que o ciclo do campeão de 2007 está perto do fim.

Falando em Charles Leclerc, não esqueçamos de Antonio Giovinazzi, que substituiu Wehrlein em Melbourne e Xangai de forma admirável. Não será surpresa caso a Ferrari cave um lugar para o italiano na Haas. Mas ainda assim, Leclerc aparece como favorito à vaga de Räikkönen em 2019.

Mas já estamos falando disso? Nem a temporada de 2018 começou e já se pensa em 2019? Em Maranello sim, mas em Grove... as coisas vão de mal a pior. A exigência da Martini por um piloto de mais de 25 anos atrapalha as negociações, invalidando nomes interessantes como Kvyat e Wehrlein e dando oportunidade para Palmer, Sirotkin e Kubica.


O retorno do polonês está ameaçado. Ou estava. Os rumores são tantos que fica difícil cravar alguém ao lado de Lance Stroll. O último indicava um contrato de 7 corridas para que Kubica provasse sua capacidade, enquanto Sirotkin ficaria na espera do veredicto. Com isso, a Williams deixa cada vez mais claro seu destino infame com pay drivers, já que mesmo Kubica se tornaria um deles.

Ainda em Grove, Felipe Massa deu seu adeus definitivo da Fórmula 1 talvez de maneira melancólica se tratando de campeonato: atrás de Lance Stroll, o que condiz com o velho credo de que os números não valem mais do que a verdade. É sabido que o canadense evoluiu, mas nada que justificasse uma colocação melhor do que a do brasileiro após resultados carimbados com mais sorte do que talento.

Mais uma vez, a Force India mostrou ser a equipe mais competente do resto, superando sem dificuldade qualquer rival sério mesmo quando uma guerra interna se instaurava. Esteban Ocon evoluiu como esperado e terá sua prova de fogo em 2018. Sabendo que é um piloto bancado pela Mercedes, Bottas precisa ficar atento para melhorar seu desempenho.

Na McLaren, a decepção reinou no início, mas o fim é promissor, com um contrato de motores Renault numa mão e um chassis ótimo noutra. Talvez a maior conquista do ano sequer tenha sido isso, mas o fato de manterem Fernando Alonso.


Agora, Renault e Toro Rosso. Se olharmos para trás, é como discutir Toleman e Minardi! Ok, voltemos à realidade, que é duríssima para o time de Faenza, que perdeu o sexto posto no campeonato de construtores na última corrida do ano após seguidos e suspeitos problemas de motor. Perder a dupla original também atrapalhou, mas Hartley e Gasly não deveriam ter fraquejado num momento como esse, e não foi o que aconteceu!

Com uma Renault cada vez mais forte, Red Bull e McLaren se veem ameaçadas, sobre tudo os ingleses, já que a marca dos energéticos deve migrar-se, inteiramente, para os motores Honda em 2019 - uma jogada e tanto! Ficar preso abaixo da sempre polêmica marca francesa não será fácil para as bocas em Woking. Espero por um guerra interna caso a dupla se enfrente lado a lado nas pistas. Será interessante acompanhar.

De resto, foi uma bela temporada. O único ponto negativo foram as corridas mais mornas do que as de 2016, mas isso acaba sendo revigorado por uma disputa de título que sai da zona de conforto da Mercedes e passa a ser de duas equipes com uma rivalidade tão histórica. O Ano Novo promete, mas temo que o domínio de Hamilton continue. Um novo 2015 seria horrível.

Então é isso. O blog retorna com uma palinha do que foi 2017 e do que poderá ser 2018.

Obrigado pela atenção e voltem sempre!

Imagens tiradas do f1fanatic.co.uk.